Cap. 14 - Gravações
- Não. Estou numa pausa a meio das gravações. Nem imaginas, estes últimos 3meses têm sido muito produtivos e enriquecedores. Estamos a trabalhar com um realizador jovem e pouco conhecido, mas com ideias muito criativas que resultam na perfeição. E, melhor que tudo, a Anna está a adorar! E eu também! Ela é excepcional! Nem te passa pela cabeça o que ela...
- Ok mano, já percebi a ideia! Já sei que a Anna é óptima em tudo o que faz! Já me disseste cinco vezes! E o meu sobrinho? Tem feito muitos disparates?
- Sim, claro! Ele nisso sai à tia!
- Deixa lá que tu também não eras nenhum santo! Não era eu que partia a maquilhagem da mãe!
- Ok, pronto! Não vou discutir isso agora! Mas está tudo bem, a mãe foi buscá-lo. Olha, eles já aí vêm! Queres falar com ela?
- Claro!
- Amor, telefone! A minha irmã. – Anunciei, pondo o telefone em alta voz, já que ela tinha as mãos ocupadas.
- Oi Lizzie, tudo bem?
- Sim. Estava aqui a ouvir o Rob a dizer que és a melhor, pela milésima vez.
- Ah, não ligues! Sabes que ele exagera sempre! Tem que se dar um desconto... – Disse, fazendo-me uma careta.
- Pois. E o resto da malta? Estão todos bem?
Anna voltou-se para mim e colocou um dedo sobre os lábios em aviso, enquanto sorria.
- Er... Mais ou menos. Com a Kiki está tudo bem, mas o Tom...
- O que se passa com o Tom? – Perguntou a minha irmã, atropelando as palavras.
- Nada, acho eu. Só que tem andado muito distraído. Mais do que o normal.
- Hum...Ok. Que bom saber que estão todos bem.
- Lizzie, não vale a pena disfarçares. Porque não vens fazer uma visita? O Tom havia de gostar de te ver.
- É complicado.
- Não, não é! Pode parecer estranho, depois de se conhecerem há tanto tempo, mas não é complicado.
- Não sei.
- Tenta. Pelo menos tenta. Bem, não vou insistir mais. Tenho que desligar. Beijos a todos. Adeus Lizzie.
- Adeus.
Anna desligou. Desde a noite da festa, que a minha irmã e o Tom andavam estranhos. Ora se davam bem, ora se davam mal. Tanto pareciam um casal apaixonado, como tentavam convencer-nos que não se importavam muito um com um outro. Anna tinha quase a certeza que eles se tinham envolvido, naquela noite, quando estavam podres de bêbedos. Tentei descobrir alguma coisa através do Tom, mas ele também não queria admitir que se tinha apaixonado.
- Tom e a minha irmã! Quem diria!
- Eu só espero que o teu amiguinho não faça asneira. E tu tens de parar de gozar com eles.
- Tudo bem. Vamos comer?
- Não tenho fome. Vou ficar aqui mais um pouco a estudar. Como mais tarde.
- Tens a certeza? Afinal qual é o teu problema com a comida? Ontem também não almoçaste, hoje ainda nem te vi comer. Está tudo bem?
- Sim. Só não tenho fome ainda. Leva o Miguel contigo, vou ter com vocês mais tarde e como qualquer coisa, ok?
Beijei-a e saí com o nosso filho pela mão. Pelo caminho encontrámos a Kristen, que já tinha almoçado e andava à procura da Anna.
- Ela ficou na roulotte. Diz que não tem fome.
- Ok. Obrigada. Preciso mesmo de falar com ela sobre algumas das cenas.
- Kris?
- Sim.
- A Anna tem andado estranha. Acho que se passa algo. Podes tentar falar com ela?
- Sem problema.
Kristen seguiu caminho até à roulotte e nós fomos até ao refeitório. Esperámos, mas a Anna não chegou a aparecer para almoçar.
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Sentei-me na cama à espera que Kristen voltasse. Estava nervosa. Já há uma semana que me andava a sentir cansada, maldisposta e desconcentrada. Para além disso, suspeitava que estava com um atraso. Sim, suspeitava, pois sempre fui muito despistada em relação a controlar esse tipo de coisas e não tinha bem a certeza de quando o período menstrual me viera pela última vez. Bateram à porta.
- Está aberta! Ah és tu, Kristen!
- Aqui estão. Trouxeram-me três. Acho que é o suficiente! Vá, levanta-te e faz logo o teste!
Enfiei os testes de gravidez no bolso e fui até à casa de banho. Demorei-me algum tempo a tentar perceber as instruções. Fiz o teste e esperei alguns minutos. Não sabia o que esperar. Como é que é possível que eu nunca tenha pensado se queria mais filhos? Porque é que eu sou tão distraída? As minhas mãos tremiam, quando verifiquei o resultado dos testes.
Kristen bateu à porta e eu abri, passando-lhe os testes.
- Hum... Resultado indefinido e... Dois positivos! Oh meu Deus! Estás grávida! Parabéns mamã! – Disse ela com excitação na voz, enquanto me abraçava apertado.
- Sim. Suponho que sim. Ainda pensei que fosse imaginação minha, mas... tu sabes, por causa da minha personagem.
O filme que estávamos a rodar, era basicamente um triângulo amoroso entre Sarah, Susan e Rick.
Eu interpretava Sarah Miles, mulher de Rick (Robert). Os dois viviam uma relação complicada e à beira da ruptura. Kristen era Susan, uma mulher fria, arrogante e calculista que estava determinada a conquistar Rick, fosse qual fosse o preço. Apesar dos seus desentendimentos, do crescente desequilíbrio emocional de Sarah e da sua paixão cega por Susan, Rick adia a decisão de abandonar a mulher, ao descobrir que a mesma está grávida. Mas Susan não desiste, fazendo um pacto com Dean, empregado em casa dos Miles, de forma a libertar Rick da sua desequilibrada esposa. Entretanto, diversas situações tendem a conduzir os personagens para um desfecho trágico.
Kristen, saiu pouco depois, não sem antes se assegurar que eu ficaria bem.
- Não te preocupes Kris. Preciso de me concentrar. Sabes que a cena de hoje à tarde não vai ser nada fácil.
- Sim, eu sei. Se precisares de algo é só dizeres, ok? E se quiseres posso passar aqui a buscar-te, antes de ir para o Set.
- Obrigada amiga. Não, não é preciso. Eu vou lá ter, não te preocupes.
- Vemo-nos mais tarde, então. Adeus.
Assim que ela saiu, tentei concentrar-me no guião que estava pousado no meu colo, sem muito sucesso. Acabei por me perder em pensamentos em relação à forma correcta de revelar a Rob o que se passava. Quando me apercebi, já estava atrasada e apressei-me em direcção ao Set.
Cheguei e pedi desculpa a toda a equipa, que já estava reunida e que apenas aguardava a minha chegada para iniciar as gravações. Rob fitou-me de sobrancelha arqueada, estranhando o meu atraso, mas não houve tempo para conversas e começámos logo a trabalhar a cena.
- Vamos recapitular a cena. – Dizia o realizador. – Rick e Sarah discutem no quarto. Sarah insulta-o, afirmando que ele preferia vê-la morta e ao filho, do que perder Susan e ameaça ir-se embora, jurando que nunca o deixará conhecer a criança. Rick perde a cabeça e empurra-a com força contra a parede, fazendo com que ela quase perca o bebé. Ele, com raiva, pensa em deixá-la sem auxílio, mas no último momento, os seus princípios levam a melhor e ele acaba por não conseguir deixá-la estendida no chão, implorando por ajuda. Alguma dúvida? – Ambos acenámos. – Ok, então vamos a isto!
Passámos uma boa parte da tarde a fazer takes e mais takes da mesma cena, sem que eu conseguisse concentrar -me de todo. Já estava à beira de desistir, quando o realizador decidiu fazer uma pausa.
Rob aproximou-se e tentou perceber o que se passava comigo. Evitei a conversa, desculpando-me com o cansaço.
- Sabes, a mim também me custa imenso fazer estas cenas contigo. Mas sabes no que penso? Que nunca poderia acontecer-nos na vida real. E muito menos se estivesses grávida. Não me imagino a tocar-te num fio de cabelo que fosse.
Sorriu-me e eu ia abrir a boca, quando ele me abraçou apertado. O realizador voltou a chamar-nos para retomar o trabalho.
- Vamos amor? – Ele sorria, tentando transmitir-me coragem.
Acenei e segui-o. Voltámos a reconstruir novamente a cena. Sentia-me mais segura, o que se estava a reflectir na minha prestação. Ao fim de 3 takes, Paul, o Realizador, estava praticamente satisfeito, no entanto pediu para voltarmos a repetir até ficar perfeito.
- Ok pessoal. Último take! Vamos acabar por hoje! – Gritou Paul.
Ajeitei mais uma vez a barriga postiça, antes de começarmos. Rob passou as mãos pelo cabelo e suspirou.
- Prontos? Em 3, 2, 1. Acção!
- Vais novamente ter com ela, não é? Tu já nem consegues negar que vais ter com a tua amante! Aposto que preferias ver-nos mortos, a perder a tua querida Susan. Aquela oferecida! Eu nem acredito que tu...
- Não acreditas que eu o quê? Que eu continue a aguentar o nosso casamento, é? Tu não és nada! Sou eu quem trabalha para manter esta casa! Se não estás satisfeita, sente-te livre para sair!
- A sério? Ok, estou farta, sabes? Estou farta de passar a minha vida à espera. À espera que deixes de ser um bruto, casmurro e prepotente! À espera que ela te dê com os pés, pois é isso que vai acontecer e é o que tu mereces! Vou-me embora! Vou-me embora e podes ter a certeza que nunca irás conhecer o teu filho! Nunca! Ouviste?
- O quê? Tu não serias capaz! Tu nunca serias capaz!
- Espera e vais ver do que sou ou não capaz!
Virei costas e comecei a tirar roupas das gavetas ao acaso.
- Não! Tu não vais fazer isso! Não podes fazer isso!
- Acabou Rick! Vou-me embora desta casa e deixo-te livre para viveres a tua vidinha com aquela...
- Não, não vais Sarah!
Voltei-me, deixando cair algumas peças de roupa, ao perceber que ele se aproximara. Levantei os braços, tentando proteger a cara. Rick agarrou-me com força pelo pulso.
- Rick larga-me! Não quero ter mais nada a ver contigo! Metes-me nojo! Nojo!
Ele prendeu-me com mais força e fui empurrada até bater com as costas na parece com tanta força que me faltou o ar. Duas lágrimas escorreram dos meus olhos e uma dor horrível trespassou o meu corpo. Dei por mim estendida no chão, enquanto Rick pegava no casaco e se preparava para sair.
Vou perder o meu filho! – Pensei.
- Não! Por favor Rick ajuda-me! Vou perder o bebé! Por favor! – Sentia que ia entrar em pânico a qualquer momento.
Rick olhou para trás e a dúvida surgiu no seu rosto.
Não me recordo se disse algo, pois naquele momento senti uma dor insuportável na barriga e gritei de dor. Ao contrário do resto da cena, a dor tinha sido o mais real possível. Para além da dor, sentia a minha perna a ficar molhada e num impulso levei a mão à parte interna da coxa.
No instante seguinte, fitava a minha mão tingida de vermelho e senti a minha cabeça andar à roda.
Quando Rob se aproximou, eu já tinha perdido completamente a noção do que nos rodeava.
- O que foi que eu fiz? Estás a sangrar... – Exclamou Rob, confuso.
Contorci-me de dor, ao sentir uma pontada mais forte e tive a certeza do que se estava a passar. Senti-me tonta e comecei a ter dificuldade em manter os olhos abertos.
- O que se passa? Fala comigo! – Rob implorava, agora visivelmente assustado.
- Vou perder o bebé. – Disse num fio de voz e desmaiei.